domingo, 18 de setembro de 2011

canários (Mad.)

"canário", seja gente seja pássaro, refere-se às ilhas Canárias, cujo nome deriva de cão: "ilhas dos cães", ou "canárias". gente destas ilhas, fossem aborígenes guanches feitos escravos, fossem gente forra e até de linhagem, fez parte do contributo étnico do arquipélago da Madeira. dessas raízes étnicas reza memória na toponímia, como é o caso do Lugar do Canário (Ponta do Sol, atual Lugar de Baixo), do Pico do Canário e da Vereda dos Canários. de facto, estes lugares não têm o nome da ave canora de penas doiradas, mas de gente oriunda do arquipélago vizinho.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

trás os montes

ao contrário do que se possa pensar, a designação "Trás os Montes" não se refere a um território situado "para lá" dos montes de Entre Douro e Minho (Marão, Alvão, Barroso, Cabreira, Larouco), visto do lado minho-duriense, mas sim a um território que fica "para lá dos montes" leoneses, visto do lado do antigo reino de Leão. o seu antigo nome, de origem claramente leonesa, "Tra llos Montes", associado à existência de mais que um topónimo "Tramonte" na região fronteiriça galega e galego-leonesa atestam isso mesmo.
além do mais, a palavra pode ter uma interpretação inesperada, tendo em conta que "trasmonte" é o "por do sol", como ainda hoje se pode constatar no italiano "tramonto". na linguagem popular nortenha, a ideia de "tra[s]monte" como ponto cardeal subsiste na expressão "perder a tra[s]montana", ou seja, perder a capacidade de se "orientar" - neste caso, "ocidentar". o mesmo que "perder o juízo".
e, sendo assim, o nome da província portuguesa adquire um significado que se entende bem: as "terras do por do sol", o "ocidente". o que não será novidade nenhuma nesta "ocidental praia"...

é curioso o subtítulo que Théophile Gauthier deu ao seu livro "Voyage en Espagne", publicado em Paris, em 1890. nem mais nem menos: "tra los montes". Espanha (Península Ibérica), o Ocidente do Mundo Antigo, a Separad dos Judeus, o Al-Gharb dos Árabes. Ocidente, sempre. "Far West", como dirá um camone.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

topónimos galego-portugueses terminados em "-e"

quase todos genitivos alatinados do nome de possuidores de terras maioritariamente germânicos, estes topónimos, como muitos outros com origem no nome de proprietários, contribuem para a memória dos nomes de pessoas usados na época da sua criação. de notar que todos os antropónimos originais são formas alatinadas, não latinas.

os topónimos abaixo significam "propriedade de...F.../terras de...F..."

Adaúfe - genitivo de "Athaulfus" (Adolfo)
Afife - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido. uma possível etimologia arábica é pouco provável, dada a localização nortenha do topónimo
Alte - genitivo de "Altus"
Amarante - origem controversa. há quem veja no topónimo um genitivo de um presumível proprietário germânico com um suposto nome de "Amaranthus". porém, o género do topónimo na linguagem local e das redondezas é feminino ("A Amarante"), o que parece incompatível com a tese do genitivo de antropónimo. e, desse modo, há que admitir uma origem pré-romana, céltica, onde está presente o "Marão", a serra de que Amarante é a porta de entrada.
Andrade - genitivo de "Antriatus"
Anelhe - genitivo de "Anelius"?
Ardesende - genitivo de "Ardesindus"
Bagunte - genitivo de "Baguntus"
Bande - genitivo de "Bandus"
Beade - genitivo de "Beatus". também aparece sob a forma Veade
Bente - forma evolutiva do genitivo de "Benedictus"
Boelhe - genitivo de "Boelius"/"Bonelius"?
Boente - genitivo de "Volentius"
Boliqueime - palavra árabe composta de "birr"/"bur"/"bul" (poço) e o genitivo de "Hakeim" (nome do seu proprietário). veja-se a curiosa redundância do topónimo "Poço de Boliqueime" ("poço do poço de Hakeim")
Bousende - genitivo de "Baudisindus"
Cadilhe - genitivo de "Cadilius"
Caíde - genitivo de "Caítus"/"Kaídus"
Calvelhe - genitivo de "Calvellus"
Cête - supõe-se que seja genitivo de um tal "Cetus"
Chorence - genitivo de "Florentius" (Florêncio)
Chorente - genitivo de "Florentius"
Combe - genitivo de "Columbus" (Colombo, Pombo)
Dume - genitivo de "Dumio"
Fafe - genitivo de "Fafus"
Fagilde - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido
Garfe - genitivo de "Garff"/"Warff"
Lobelhe - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido
Melide - genitivo de antropónimo ainda não estabelecido ("Bellitus"? "Mellitus"?)
Minde - genitivo de "Mindus"
Mogege - genitivo de "Mazegius" (etimologia desconhecida)
Nande - genitivo de antropónimo ainda desconhecido ("Nandus"?)
Nine - genitivo de "Ninus"
Novelhe - genitivo de "Novelius"
Nune - genitivo de "Nunus" (Nuno)
Paderne - genitivo de "Paternus"
Pidre - genitivo de "Petrus" (Pedro)
Punhe - genitivo de "Punius" ?
Rande - genitivo de "Raandus" /"Randus"
Recarei - genitivo de "Recaredus"
Reimonde - genitivo de "Raimundus" (Raimundo)
Resende - genitivo de "Redisindus"
Ronfe - genitivo de "Ranulfus"
Ruílhe - genitivo de "Rodellus"/"Rotellus"
Sande - genitivo de "Sandus"
Segade - genitivo de "Segatus"
Seide - origem controversa. a sua grafia antiga aponta para origem arábica, apesar de se tratar de topónimos nortenhos (norte de Portugal e Galiza).
Sende - genitivo de "Sindus"
Sesulfe - genitivo de um antropónimo germânico latinizado ainda não estabelecido.
Sezulfe - ver Sesulfe
Sinde - genitivo de "Sindus"
Tagilde - genitivo de "Atanagildus"
Veade - ver Beade
Vide - genitivo de "Vitus"

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Gelfa (Xerfa), Gelfas (Jalfas, Jarfas, Xalfas, Xarfas)

estes topónimos têm a caraterística de se situarem junto de água, rios, lagunas, lagoas ou mar, em terrenos de tipo dunar de vegetação bravia: relva, pastos nascediços em terrenos maninhos, lugar de pastagem. a etimologia é desconhecida, embora haja quem lhes descubra uma origem arábica, muito pouco provável - o topónimo predomina na região costeira nortenha, de Aveiro à Corunha. a sua presença no Ribatejo pode dever-se à migração de falantes do norte.
Gelfa aparece em Portugal na Torreira, em Ovar, em Vila Praia de Âncora e em Abrantes. Gelfas existe em Castanheira do Ribatejo. houve em tempos o topónimo "Gelfamar", correspondente a uma mata no termo de Faria (v. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico).

conta-se que na Lagoa das Jalfas ou Jarfas (Xalfas, Xarfas), em Muros (Gz.), houve em tempos uma cidade. mas um dia, por volta da meia noite, quando todos dormiam, o mar subiu, galgou as dunas e engoliu a cidade e todos os que nela viviam (ecos de uma lenda atlante? explicação fantasiada da formação da lagoa?).ainda hoje, no dia de são João, se ouvem os gemidos da gente e dos animais que ali morreram afogados. os sinos da igreja repenicam, e até há quem veja uma moça vaidosa a pentear-se ao espelho (cf. Galicia Encantada, Enciclopedia de Fantasia Popular de Galicia).