quinta-feira, 21 de agosto de 2008

bairros dos sonhadores ou os excessos poéticos

é natural que se goste de morar num bairro com um nome bonito, até poético. o pior é que a realidade nem sempre dá pelo nome que lhe chamam.
alguns destes bairros têm nome de inspiração religiosa (r).

Bairro Alto da Maravilha (Br.)
Bairro Boa Esperança (Br.)
Bairro da Alegria
Bairro da Amizade (Br.)
Bairro da Bela Vista
Bairro da Boa Viagem (Br.)
Bairro da Boa Vista
Barro da Boavista
Bairro da Consolação - (r)
Bairro da Fraternidade
Bairro da Graça (Pt. e Gz.) - (r)
Bairro da Juventude (Br.)
Bairro da Liberdade (Pt. e Br.)
Bairro da Luz
Bairro da Nova Imagem (Pt.)
Bairro da Paciência (Br.)
Bairro da Paz
Bairro da Piedade (Br.)
Bairro da Rosa
Bairro da Saúde (Br.)
Bairro da União (Br.)
Bairro da Vista Alegre (Pt., Gz. e Br.) - ver Comentº de Calidonia
Bairro da Vitória (Br.)
Bairro do Bom Pastor - (r)
Bairro do Paraíso (Br.)

não conheço este costume na Galiza. os bairros que eu conheço tenhem um nome mais distanciado desses sentimentos e aspirações. ex: "Bairro da Madalena", "Bairro de Canido", "Bairro de Sam Lázaro", "Bairro do Esteiro",...

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

bairro da solum, bairro do brinca

a curiosidade destes dois topónimos da cidade de Coimbra reside no facto de o seu nome derivar das respetivas sociedades construtoras. o seu caráter eufónico e a falta de mais imaginada alternativa fez com que vingassem na linguagem quotidiana. a gente nascida depois dos anos 70 fala do Bairro do Brinca e do Bairro da Solum sem fazer ideia da origem desses nomes.
isso faz entender melhor como se perdem tão depressa as referências etimológicas dos topónimos e como tão rapidamente surge a necessidade de lhes dar as mais desencontradas explicações, fonte de lendas, palpites e teses de mestrado.
o Bairro da Solum ("da" porque se refere à sociedade "Solum"), começou a desenvolver-se no final dos anos 60 e é hoje a parte mais nobre e aprazível da cidade. digo eu...

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nb: solum (lat.): "solo", "chão". embora a palavra latina seja paroxítona, em Coimbra "A Solum" é pronunciada com acentuação na segunda sílaba: "sòlúm".

domingo, 17 de agosto de 2008

alhos e bugalhos

1. "alhos" é a designação de alguns topónimos curiosos, pela confusão que podem criar com o alho das cozinhas. a questão é que essa pretensa etimologia não me convence, dada a ubiquidade da planta em causa.
alius
, em latim significa "outro", "alguém que não é dos nossos", "estrangeiro", "de fora de aqui", "de fora parte", "de outro lado", "de outro lugar".
coisa que nem sequer seria de estranhar numa região que sempre conheceu repovoamentos por "gente de fora".

a palavra latina alius//aliunde entronca numa raiz indo-europeia que deu em grego allòs ("outro") e no celta allo (o numeral "dois" e o adjetivo "diferente", "outro", "segundo"). assim, não é de estranhar a presença de topónimos franceses de origem celta como "Col d'Allos, "La Foux d'Allos", "Val d'Allos".

2. mas outra explicação pode ser encontrada no latim alodis, que deu Alleu, Alleux (Fr.) na Toponímia Francesa, e tem sido associado tamém à etimologia de Allos (Fr.): trata-se de uma propriedade, ou "alodio", livre das obrigações da feudalidade, sem encargos nem direitos senhoriais, o que não deixa de ser, na qualidade de excepção a uma regra, uma excelente razão para ter ficado cristalizada sob a forma de topónimo, tal como "Foros". esta explicação contém, no entanto, algumas dificuldades de natureza fonética, pelo menos no nosso idioma.

sendo assim, qual a etimologia mais adequada para topónimos raros, como "Alhos Vedros" e "Sernache dos Alhos"?

os topónimos "Alli", "Allin", "Allo", Alloz" ocorrem em Navarra. e All na Catalunha.

o topónimo "Alhos Vedros", se se tratar de "estrangeiros velhos", de duas uma: ou indica que se trata de "gente que veio de fora antes de outras", ou indica que, na época em que se dizia "vedros" em lugar de "velhos", haveria outro povoado com o nome de "Alhos", menos antigo. e significa também que os "alhos" já eram "velhos" nessa época.
quanto a "Sernache dos Alhos", o cheiro do condimento popular acabou por reduzir o nome para apenas "Sernache".

porém, se a etimologia for alodium, os "estrangeiros" saem de cena, ficando apenas uma realidade rústica medieva do que terá sido uma ou mais que uma "propriedade livre".


Alhões - aqui pode significar "aldeia de gente originária de "Alho" ou de "Alhos"

Alhos Vedros
Sernache dos Alhos

outras alhadas:

A-do-Alho - não acredito nesta grafia. será "Adualho" - de "adua" (árab: addua)?

Alhadas -
Alhais -
Alheira - ver "Alhões"
Alheiro - ver "Alhões"
Alho -
Alhos -
Torre do Alho (Gz.) - ver Comentº

quanto aos Bogalhos, são muitos e mais nortenhos:

A Bugalha (Gz.) - graf. altern: A Bugalla
Bogalheira
Bogalho
Bugallha (Pt. e Gz.) - graf. altern. Bugalla
Bugalhães - originários de Bugalha?
Bugalhal (Pt. e Gz.) - graf. altern: Bugallal
Bugalhão / Bugalhóm (Pt. e Gz.)
Bugalhas
Bugalheira (Pt. e Gz.) - graf. altern: Bugalleira
Bugalheiras (Gz.) - graf. altern: Bugalleiras
Bugalheirinha

Bugalho - em italiano Bugaglio é hidrónimo: "Cavo Bugaglio", "Rio Bugaglio"

Bugalhos
Bugalhós - diminut. de Bugalhas
Bugalhosa
Mina da Bugalha
Os Bugalhales (Gz.) - graf. altern: Os Bugallales
Quinta da Bugalha

sábado, 2 de agosto de 2008

as pontes que nos unem

a ponte estabelece uma ligação entre dois mundos. no plano material, liga duas margens de um rio, de um vale profundo ou de um braço de mar, permitindo ou facilitando a comunicação entre povos e realidades até então separados. no plano simbólico, que noutras eras acompanhava e revestia o mero plano material, esta ligação adquiria propriedades re-ligiosas: o construtor de pontes ligava terra com terra, terra com céu, matéria com espírito. a sua função era assimilada à de um sacerdote, a que os romanos chamavam pontifex, "pontífice", "fazedor ou construtor, de pontes". ele formava o elo de ligação entre a vida de Aquém e de Além. os pontífices romanos constituíam-se em colégio ou ordem sacerdotal, com funções religiosas e jurídicas (direito divino), segundo a máxima, transposta para o cristianismo, "o que ligares na terra será ligado nos céus". ao colégio dos pontífices, ou "colégio pontifício", presidia o "sumo pontífice" ou pontifex maximus, eleito vitaliciamente pelos seus pares. após uma profunda crise religiosa e vagando o lugar de sumo pontífice, César assume a função e incorpora-a no exercício do poder imperial. com a queda do Império, a designação e a função são assumidas pelo Papado de Roma.
na Idade Média, a "congregação dos irmãos pontífices" do século XII, sob a regra beneditina, encarrega-se da construção de pontes e calçadas. certas lendas, como a de São Gonçalo de Amarante, atribuem ao mestre construtor a função de estabelecer "pontes" também a outros níveis, como a função de "casamenteiro das velhas" (ou seja, das "antigas mulheres"), talvez, dada a configuração do culto, pela adição de funções religiosas pagãs anteriores relativas ao chamado "culto da fertilidade". mas a verdade é que a própria ponte em si se pode relacionar com esse "culto da fertilidade", pois casos há em que nelas se realizam rituais destinados a favorecer a gravidez e o seu bom termo.
certas pontes, pela especial sensação de dificuldade que a sua arquitetura inspira, são conhecidas por "ponte do diabo", pois só o diabo, ou alguém que lhe conheça as artes, seria capaz de as construir. são assim conhecidas, entre outras, a Ponte da Mizarela (Pt), a Ponte de Martorell (Cat.), as ruinas da Ponte de Liédana (Na.) e as Pontes de Olvena (Arag.). as "pontes do diabo", com a respetiva lenda, existem também em França e na Itália.
às vezes, a palavra "ponte" é substituída por "arco", "arcos" ou "arquinho", que reportam à arquitetura da construção.

os topónimos que se seguem relacionam-se com pontes que estiveram na origem do desenvolvimento do respetivo povoado, vila ou cidade:

Alcântara

Alcantarilha - na realidade, "alcantarilha" é uma espécie de "ponte ao contrário", ou seja, uma "construção destinada a permitir que um pequeno canal cruze uma estrada por baixo".

Aldeia da Ponte

Arcos de Valdevez - está por "Arcos de Vale de Vez", sendo "Vez" o rio transposto pela ponte

Brugg (CH)
Cambridge (GB) - "ponte sobre o rio Cam", ou "Ponte de Cam"
Innsbruck (A.) - "ponte sobre o rio Inn", ou "Ponte de Inn"
Most (Cs.)
Mostar (BiH)
Ponferrada (Le.)
Ponteceso (Gz.)
Ponte Barxas (Gz.) - "barxas" por "várzeas"?

Ponte Cesures (Gz.) - há dúvidas sobre "Cesures" ou "Sezures". as duas grafias surgem tamém em Portugal

Ponte da Barca - como "barca" já significava "passagem", "ponte da barca" é uma redundância

Ponte da Mucela
Ponte da Pedra
Ponte das Três Entradas - pela sua forma em "Y"
Ponte de Lima
Ponte de Sor
Ponte d' Eume (Gz.)

Ponte do Arquinho - uma espécie de pleonasmo, já que "arquinho" é a própria ponte

Ponte do Bico
Ponte dos Arcos (Br.) -
Ponte do Sótão - "Sótão" é hidrónimo
Pontela
Pontelha (Pt. e Gz.)
Pontelinha

Ponte Pedrinha (Pt. e Gz.) - topónimo muito frequente, indica construção romana (?). a estas pontes, tal como às "pontes do diabo", associa-se uma lenda segundo a qual teriam sido construídas durante a noite, ficando no final uma "pedrinha" por colocar, para que não pudessem ser dadas por concluídas. umas vezes é o diabo que as constrói pela noite, outras vezes são os mouros. a "pedrinha" em falta é um artifício para ludibriar o diabo, que estabelece um "preço" pela sua colaboração na obra: a morte dentro de um ano para o primeiro que a atravesse depois de pronta. o diabo sai sempre enganado, pois que o primeiro ser vivo que a atravessa é um gato, um cão ou um porco. é possível que estas lendas estejam associadas aos sacrifícios humanos ou de animais que outrora se fazia para propiciar o bom curso de uma construção.

Ponte Vedra (Gz.) - ponte medieval, como indica a forma "vedra", para designar "velha"

Ponte Sezures - ver "Ponte Cesures" (Gz.)
Pontezela - pequena ponte medieval, como indica o diminutivo "cella"
Pontezinha
Pontilhão / Pontilhóm (Pt. e Gz.)
Pontinha (Pt. e Gz.)
Puente la Reina (Na.)
São João da Ponte (Pt. e Br.)


(nota: aqui se retoma e amplia um tópico já publicado)
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nota: sobre o simbolismo da ponte, ver Jaime Cobreros (1991), El Puente, Ediciones Obelisco, Biblioteca de los Símbolos, nº 2, Barcelona. ver tamém Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (1982), Dictionnaire des Symboles, Robert Laffont/Jupiter, Paris, pp. 777-778.