quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Topónimos Terminados em "-ede"

já falámos de uma série de topónimos derivados de genitivos latinos e associados a villae, quintas ou herdades agrícolas. há-os terminados em "-ães", "-ende", "-im", "-inde", "-iz", "-ufe", "-ulfe" e agora chegou a vez dos terminados em "-ede" (pronunc.: "êde"). têm estes a característica de se situarem na margem norte do Baixo Mondego, numa faixa de terrenos férteis, propícios à agricultura, e que se estende da Mealhada à Figueira da Foz.
o facto de o genitivo ser latino não significa que o proprietário fosse romano ou que o seu nome fosse latino. em posts anteriores já vimos a quantidade de nomes germânicos, no genitivo latino, que povoam a Toponímia Galego-Portuguesa.
a novidade dos topónimos terminados em "-ede" está, com muito poucas excepções, na sua concentração nesta faixa geográfica.


Ancede - não se localiza na faixa norte ribeirinha do Baixo Mondego. situa-se no concelho de Baião, Douro Litoral. grafia alternat.(mais correcta?): Ansede - ver Comentº de Calidonia

Ansede (Gz.) - ver Ancede.

Antuzede - genitivo de um antropónimo germânico. J. P. Machado (2003) prefere "Antosede", mas não sei porquê

Arazede - genitivo de Araceto ou Aracedo, antropónimo de origem desconhecida

Cantanhede - é genitivo do antropónimo, Cantonieto ou Cantoniedo, de origem desconhecida. há quem admita que é genitivo de "canteira" ou "pedreira": villa da pedreira. mas a analogia com topónimos em -ede próximos, faz-me inclinar para a primeira hipótese.

Lemede - genitivo de Lameto ou Lamedo. ver Comentário de João.
Murtede
Somede (Gz.)

Tavarede - genitivo de Tavareto ou Tavaredo. a pronúncia é tâ-vâ-rêde e não tà-và- rêde, como exigiria a tese de Talavareto ou Talavaredo por analogia com os topónimos Tavares, Taveira e Taveiro

Xafede - (?) este topónimo aparece nos concelhos da Mealhada e de Viana do Castelo (Chafé)

domingo, 28 de outubro de 2007

Mafra

apesar dos esforços de bons eruditos para lhe atribuir uma origem árabe, Mafra (que, ao longo do tempo foi sendo Mafarã, Malfora e Mafora) continua um topónimo solteiro e enigmático.
a atribuição de origem árabe, através de mahfara, "cova", não acerta com as características do local, nem com as formas anteriores do topónimo.
não sendo de origem árabe, a estrutura da palavra remete-nos para uma origem pré-latina.
ora, segundo se diz, o rei Dom João V, terá mandado construir esse convento colossal com a receita do ouro do Brasil e o motivo de tão magnânimo empreendimento estaria relacionado com o cumprimento de uma promessa à Mãe-de-Deus, caso lhe fosse concedida a graça de ter filhos herdeiros, pois que filhos não herdeiros os tinha ele aos centos. em especial de freiras, o que, entre outros cognomes, lhe mereceu o epíteto de "O Freirático".
se assim fosse - e não é certo -, o Convento de Mafra seria a actualização setecentista de um culto pagão ancestral à mater genetrix, "a mãe geradora", Senhora do Ó, Ísis e assim por diante. certo é que o culto à Senhora do Ó está ainda hoje vivo na Região Saloia, no próprio concelho de Mafra.
é aqui que entra a origem pré-latina para o topónimo.
segundo uns, a origem é fenícia; segundo outros, a origem é turânica. e a voz original estaria relacionada com um significado religioso, compatível com o culto da deusa-mãe.
seja como for, nada está definitivamente resolvido e Mafra continua um topónimo obscuro.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Gente de Coimbra

outra gente que deixou marcas na Toponímia foi a gente de Coimbra. mais que uma vez na História, o então excedente populacional desta região foi empregue no povoamento ou repovoamento de outras regiões, quer em Portugal quer na Galiza.
a distribuição geográfica destes topónimos vai do Alentejo às províncias galegas de Lugo e da Corunha, sendo a maior concentração nas regiões nortenhas.

exemplos:

Coimbra (Pt. e Br.) - no caso português, a repetição do nome Coimbra significa o mesmo que "segunda Coimbra", "nova Coimbra". no caso brasileiro, ou é a transposição do topónimo português, ou é um antropónimo.

Coimbrã - aldeia de gente coimbrã
Coimbrão - povoado de gente de Coimbra
Coimbrãos - gentes de Coimbra
Coimbró - diminutivo de Coimbra
Coimbrões - o mesmo significado que Coimbrãos
Cruceiro de Cumbraos (Gz.)
Cumbrao (Gz.) - ver Coimbrão e Cumbraos

Cumbraos (Gz.) - o mesmo significado que Coimbrãos e sua variante dialectal

Cumbraos de Abaixo (Gz.)
Torre de Cumbraos (Gz.)

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O Grove (Gz.)

talvez seja mais conhecida a vizinha ilha termal de A Toxa - que os portugueses teimam em conhecer por La Toja. pessoalmente, prefiro O Grove marinheiro-marisqueiro. nom polo marisco, que será do melhor que existe sobre a Terra, mas pola paisage ao redor.
tal como é hoje A Toxa, O Grove foi em tempos uma ilha na junção das Rias de Arousa e Pontevedra.
é conhecida a existência dos grovii no tempo dos romanos, constituindo um ramo não-celta da tribo dos Calleci Bracari. a sua origem étnica e proveniência geográfica são desconhecidas. ocupavam o vale do Baixo Minho, de uma e de outra banda, tinham Tui por cidade principal e pelo menos alguns deles ocupavam-se na mineração do estanho e produção de bronze. o seu deus dos deuses era Turiacus, o que traduzido para Galego-Português significa Senhor, Rei. afinal de contas, o mesmo nome que tem hoje.
as voltas e revoltas da História terão feito dispersar este povo, que aparece na Toponímia Galego-Portuguesa desde o Norte da Galiza ao Centro de Portugal, sob a forma Grove e derivados. certo é que poucos povos, tribos ou clãs se poderão gabar de ter deixado tantos vestígios toponímicos.
curiosamente, existe no léxico português o adjectivo "esgroviado", o que sugere que a memória que ficou desse povo é a de gente com ar desalinhado e cabelo desgrenhado... o que não corresponde, nem de perto nem de longe, aos groveiros de hoje em dia.
bom, é claro que se diz por aí hoje que a relação etimológica entre O Grove e os grovii é uma mera coincidência fonética. mas eu prefiro esta estória. e tenho comigo Emilio Nieto Ballester (1997). sempre é alguma cousa.

outras terras de gróvios:

A Groba (Gz.)
A Grova (Gz.)
As Encrobas (Gz.)
Costa da Groba (Gz.)
Groba (Pt. e Gz.)
Grobas (Gz.)
Groias (Pt.)
Groiva (Pt)
Grova (Gz.)
Grovas (Gz.)
Grova Fragosa (Gz.)
Grove (Pt. e Gz.)
Grovela (Pt.) - diminut. de Grova
Grovelas (Pt.) - diminut. de Grovas
Groves (Gz.)
Gróvia (Pt.)
Grovos (Pt.)
Serra da Groba (Gz.)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Fisterra (Gz.)

Fisterra, do latim finis terrae, "fim do mundo", é um topónimo estranho. fins-do-mundo há muitos: Cabo Carvoeiro, Cabo da Roca, Cabo Espichel, Cabo de São Vicente, etc., etc. por que motivo são especificamente Finisterrae este cabo galego, o Finistère francês da Bretanha e o Land's End inglês da Cornualha?
diz-se que "Fisterra" é o (ou a) fim-do-mundo porque é o cabo mais ocidental do Continente Europeu. falso: o cabo mais ocidental é o Cabo da Roca. e que razão presidiria, então, ao nome do cabo Finistère e do Land's End?
temos de admitir que, no caso galego como no caso francês e inglês, haja razão especial para que um certo mundo ali termine.
creio que a razão é profunda e vem do mais recôndito dos séculos: uma razão religiosa, mágica, iniciática.
na Galiza, o Fisterra culmina a Costa da Morte, nome já de si misterioso, e conclui o Caminho de Santiago; em França, diz-se que o Cabo Finistère (Penn ar Bed, em bretão) deve o seu nome à abadia bretã de Saint Mathieu de Fine-Terre, lugar deserto e lúgubre; na Cornualha, Land's End (Penn an Wlas, em língua céltica) está associado ao ciclo de lendas do Rei Artur.
e acresce que Fisterra, embora de origem latina, não é o nome que os romanos davam ao cabo da Galiza. para eles, o cabo era o Promontorium Nerio, do nome de uma tribo celta, cuja religião celebrava a "paixão e morte" do Sol.
em comum, têm os três cabos o serem pontos de contacto com o "Ocidente", o lado da terra "onde o sol morre", ou melhor, o lugar da terra "onde matam o sol"; os vestígios de uma linguagem sacra expressa nas pedras; e a fonte de onde emanam lendas e lendas cujo sentido se oculta no embalo das palavras.

domingo, 21 de outubro de 2007

Catoira (Gz.)

o povo, tribo ou gens dos catorienses aparece referido numa lápide romana, hoje colocada sob o altar-mor da igreja de Santiago, no Padróm. daqui se retira que os romanos encontraram um povoado, bisbarra ou comarca chamada Catoria. se a palavra é indígena ou exógena, é uma questão em aberto. a localização marítima de Catoira, na desembocadura do Ulha, na parte mais adentrada da Ria de Arousa, admite uma origem exógena; isto é, algum povo do mar lhe poderia ter dado o nome. no entanto, a existência do "Monte da Catoura", em Barrancos, distrito de Beja, abre uma possibilidade de tratar-se de nome indígena.
Catoira está em íntima relação co ciclo das lendas jacobeias que relatam a chegada da barca do corpo santo.
tamém Catoira está relacionada coa invasão de gente do Norte, no séc. IX. daí a Romaria Víquingue que, desde 1962, tem lugar todos os anos no 1º de Agosto. ainda em lembrança do ataque víquingue, Catoira encontra-se geminada com Frederikssund, na Dinamarca. sem ressentimentos.

Chantada (Gz.)

Chantada é o centro da bisbarra (ver aqui) do mesmo nome, situada no sudoeste da província de Lugo, formada pelos concelhos de Carbalhedo, Taboada e Chantada. o seu nome parece indubitavelmente de origem latina tardia, evoluído de Plantata - que significa terra ou povoação defendida por uma espécie de muralha de estacas cravadas no chão, o mesmo que "estacada". região de forte representação da cultura castreja, as raízes históricas de Chantada propriamente dita estão muito ligadas à invasão normanda do séc. IX.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Marco das Três Fronteiras (Br.)

ora aqui está um daqueles (poucos) topónimos que fala por si próprio. situado no Estado do Paraná, junto à foz do Iguaçu, o local assinala o ponto em que confluem os limites territoriais de três países: o Brasil a norte, a Argentina a sul e o Paraguay a oeste. estes limites são ditados pela confluência do Rio Iguaçu, que divide Argentina e Brasil, com o Rio Paraná, que separa, por sua vez, Argentina e Brasil do Paraguay. esta conformação de fronteiras, como ensina o brilhante guia Marlon Schunk, só acontece em mais dois casos: a fronteira Áustria-Alemanha-Suíça e a fronteira Laos- Burma-Tailândia.
a toponímia está marcada em toda a região pela influência dos povoadores aborígenes, de língua guarani: "Iguaçu", "água, ou rio, grande"; "Paraguay", "rio dos papagaios"; "Paraná", "rio veloz" ou "rio caudaloso", enfim, um nunca mais acabar de nomes de uma musicalidade única.
mas ao contrário da Galiza e Portugal, em que os povoadores primitivos que deram nome aos rios desapareceram há milénios, os guaranis ainda se vêem por estas paragens do Parque Natural do Iguaçu.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Rio Guaíba (Br.)

"Guaíba" é a linha de água que banha a cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul.
não está ainda claro se é um rio ou um lago, já que tem muitas características de lago.
em tupi-guarani, "guaíba" significa "estuário de muitos rios" (gua+ybé) ou "enseada de todos os rios" - o que corresponde bastante bem à realidade hidrológica desse imenso labirinto aquático, dado que nele confluem os rios Gravataí, Sinos, Caí e Jacuí.
também há quem retire Guaíba de "gua+y+ba", que significa "lugar de muita água"

sábado, 6 de outubro de 2007

Porto Alegre (Br.)

Porto Alegre teve vários nomes ao longo da sua história. começou por ser chamada Porto de Viamão, por estar localizada nos campos de Viamão, distrito de Laguna, Estado de Santa Catarina. de ponto de passagem de nómadas com suas manadas de gado, a região evoluíu para o localização de uma população sedentária de agricultores. em 1740, o madeirense Jerónimo d'Ornelas recebe a região em sesmaria e o local passa a ser conhecido por Porto do Dornelles.
a região que hoje constitui o Estado do Rio Grande do Sul ficava de fora dos limites acordados no Tratado de Tordesilhas, mas foi reconhecida como portuguesa pelo Tratado de Madrid, de 1750.
em 1752, começam a chegar levas de casais açorianos com a missão de povoar a zona, aliviando, também, o excedente populacional que então se verificava nos Açores. com a chegada desses casais, o Porto de Dorneles passou a ser mais conhecido por Porto dos Casais. sessenta foi o número de casais açorianos que foram fixados especificamente no Porto de Dorneles (na foto, a "ponte dos açorianos" e o monumento aos casais açorianos).
a população começa depois a evoluir para um modo de vida urbano de comércio e serviços.
em 1773, um Governador, José Marcelino de Figueiredo, entende dar ao local o nome que merecia: Porto Alegre.
mas apesar de ter apenas 227 anos de vida e de sabermos quem foi o seu padrinho de batismo, a razão do topónimo continua incerta. como tenho dito várias vezes, é um mistério a facilidade com que se perde a memória da origem dos topónimos. há quem pense que Porto Alegre será uma transposição de Portalegre, cidade portuguesa do chamado Alto Alentejo. porém, sobra por explicar por que motivo, na época, uma cidade com população predominantemente açoriana iria buscar o seu nome ao Alentejo. e por que motivo José Marcelino de Figueiredo, da família dos Sepúlvedas de Trás-os-Montes, foi escolher um nome alentejano. uma outra hipótese, ainda pouco explorada mas muito verosímil, remete para uma povoação açoriana da Ilha Terceira, entretanto desaparecida, cujo nome era Santana de Porto Alegre (*). uma terceira hipótese, que não pode ser descartada, é a de que Porto Alegre seja, simplesmente, uma designação eufónica que predispõe para que se goste do local.
certo é que em 1810, Dom João VI de Portugal eleva a Capitania de Porto Alegre à categoria de Vila, com o nome barroco de Vila de Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre (ver Comentº. de Eduardo). finalmente, em 1821, o Imperador D. Pedro I do Brasil, D. Pedro IV de Portugal, eleva Porto Alegre à categoria de cidade.
Porto Alegre é hoje a capital do Estado gaúcho do Rio Grande do Sul.

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(*) muita da informação recolhida no parágrafo pode ser encontrada em "Porto Alegre - história e cultura", de Hilda Agnes Hübner Flores, Martins Livreiro-Editor, Porto Alegre, 1987.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Dois Anos de Vida

toponímia galego-portuguesa e brasileira faz hoje dois anos de navegação. 238 postagens, média de 83 visitas diárias.
sem pressas, sem empurrões, sem arremedar ninguém.
porque devagar se vai ao longe, seja esse longe onde for.

caminante no hay camino,
el camino se hace al andar.

um muito obrigado a todos, com um especial carinho à frota honorária.

e os cumprimentos fraternos da frota de recreio.