segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Pondelgada, Ponferrada


Ponta Delgada deve o seu nome ao facto de ter sido fundada junto a uma ponta rochosa muito estreita, onde mais tarde seria edificada a ermida de Santa Clara. entre esta Ponta e a Ponta da Galé forma-se uma enseada, comprida de três léguas.
ouve-se frequentemente os seus habitantes chamar-lhe Pondelgada - o que tem a ver com as particulardades dos falares micaelenses.
o povoamento da Ilha de São Miguel, iniciado nos anos quatrocentos, fez deslocar para lá sobretudo gente do Alto Alentejo, da região de Nisa - coisa bem aparente ainda hoje, não só no falar como tamém na quantidade de casas alentejanas que encontramos na ilha.
quem conheça os falares da Beira Baixa e do Alto Alentejo, como os da Sertã, Abrantes, Nisa e Mação, certamente encontrará de imediato notáveis semelhanças: a começar pelo chamado "u francês".
outra característica dos falares de S. Miguel é o relevo da tónica, que faz silenciar ou desaparecer o resto da palavra. assim, pelo menos na boca de alguns falantes, "Ponta Delgada" fica reduzida a "Pondelgada".
mas não penso que seja um exclusivo dos Açores. o nosso património linguístico prevê que isto suceda. na comarca de O Berço (ou El Bierzo), província de León, de influência linguistica galego-portuguesa, encontramos Ponferrada, cidade templária do Caminho de Compostela.
"Ponferrada" evoluiu de "Ponte Ferrada", latim ponte ferrata, isto é, "ponte (feita, segura, reforçada) com ferro(s)" - mas não "ponte de ferro".

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nota desnecessária: "Ponferrada" é grafia oficial, "Pondelgada" não

terça-feira, 10 de outubro de 2006

domingo, 8 de outubro de 2006

A Língua de M.

M. é jornalista de peso. presumo que o seu cachê reflectirá o peso que tem. dou isso de barato.
mas os seus horizontes linguísticos é que são demasiado curtos.
a propósito dos desafios que a China representa para muitos países potenciais concorrentes, ele soube que o Brasil está atento. que estuda a China. que se prepara. que faz o que tem a fazer. e M. mostra um livro publicado no Brasil sobre isso mesmo: o desafio da China. e explica que o livro está em brasileiro.
quero crer que sim. não seria de supor que estivesse em argentino, mexicano, americano, quebequense, australiano, sei lá.

mas...por quê a necessidade daquela "precisão"?
é que, se está em "brasileiro" é porque - suponho - não estará em português. e então imagino que M. entenderá por português uma língua a que não possa acrescentar-se nenhum qualificativo mais. uma língua minoritária ao quadrado. saloia. um dialecto europeu da região de Sintra e arredores. onde cabe Lisboa e M. e nada mais.





M. de míope?
e que culpa temos nós?

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

A Granja



"Granja" é uma propriedade ou casal rústico com todos os vivos, safras e apetrechos. no Alentejo será "o Monte". para os romanos seria a "villa".

exemplos de Granja:

A Granja (Gz.)- graf. altern: "A Granxa"
Granja (Pt., Gz. e Br.)
Granja de Meanho (Gz.) - graf. altern. "Granxa de Meaño"
Granja do Gesto (Gz.) - graf. altern: "Granxa do Xesto"
Granja do Ulmeiro
Granjinha - diminutivo de Granja
Granjola (Pt. e Gz.) - diminutivo de Granja
Granja Viana (Br.)


quinta-feira, 5 de outubro de 2006

A Gândara


"Gândara" e suas variantes e diminutivos constituem um grupo de topónimos muito difundido em Portugal, na Galiza e nas Astúrias. tem o seu quê de desconcertante, na medida em que existe consenso no seu significado: "charneca", "terreno inculto e árido", "terreno arenoso e estéril", "zona baixa da montanha, rasa e pedregosa onde crescem torgas e giestas", "planície inculta, rasa, terreno pedregoso", "terreno alagado, arenoso, pantanal". terá origem no pré-indoeuropeu gand /kant, que se relaciona com o sentido de "pedra", "rocha" - como Canda e Cando (Gz.), Candeeiros, Candosa, Cantanhede, etc.
conheço, pelo menos, duas Gândaras a que esta explicação se pode aplicar com propriedade: a Gândara de Montedor (Pt., Viana do Castelo) e Gándaras de Budinho (Gz., Porrinho)
o problema é que, na sua imensa maioria, estes topónimos estão relacionados com uma frutuosa atividade agrícola e agropecuária - o que parece um contra-senso.
no Centro de Portugal, espalhada pelos concelhos de Mira, Tocha, Cantanhede, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz, existe a Região Gandaresa, ou da Gândara, de intensa atividade agropecuária.
a verdade é que esta região, tal como as Gafanhas vizinhas, resulta da vontade do homem de transformar a natureza de acordo com as suas necessidades. nem sempre com os maus resultados de que por aí se fala...

exemplos:

A Gándara (Gz.)
A Gándara de Guilharei (Gz.)
Fonte da Gándara (Gz.)
Gândara
Gândara de Montedor
Gândara dos Olivais
Gandarela
Gandarela de Basto
Gandarinhas (Pt. e Gz.)

Gandra (Pt. e Gz.) - é uma variante dialetal e não uma corrupção de "Gândara", como por aí se lê

Granda (Pt., Gz. e Ast.) - variante dialectal de "Gândara", "Gandra"
Grandela (Gz.) - diminutivo de "Granda"
Moínhos da Gândara
Salvador de Gandarela
S. Martinho da Gândara

Serra da Gandarela (Br.) - em Minas Gerais. desconheço o porquê da transposição deste nome



terça-feira, 3 de outubro de 2006

As Gafanhas


Ílhavo é um município que confina com o mar. o seu nome, de ressonâncias pré-romanas, parece remeter-nos para as águas: a do mar, a do Vouga e a da ria. a primeira parte do nome, Illi-, encontra-se hoje nos topónimos bascos com o significado de "cidade"; a segunda metade do topónimo, - avu, está na composição de um sem número de hidrónimos portugueses e galegos - ver post.

sendo assim, ter-lhe-ão chamado então o nome que ainda hoje merece: "A Cidade do Rio" ou "A Cidade da Água".

está hoje separada do mar pela Costa Nova - nome que ilustra bem as transformações que o desenho desse litoral vem sofrendo em séculos recentes.




a vizinha cidade de Aveiro, linguística e semanticamente aparentada, usurpou o nome do porto, pois que o porto é pertença do município de Ílhavo; e o da "ria", que, embora tenha por nome "Ria de Aveiro", se expande pelos municípios de Ovar, Estarreja, Murtosa, Aveiro, Ílhavo, Vagos e Mira.






um terceiro município, o de Vagos, ajuda a fazer o cerco da "ria" pelo sul. o seu nome não esconde o parentesco com o hidrónimo Vouga, o rio cujos aluviões transformaram, ao longo dos séculos o desenho da costa. este nome pré-romano Vacus, depois Vagos, pode referir-se ao rio Vouga ou à tribo ou tribos que povoavam a margem esquerda da sua foz.
é como se quisesse dizer "os do Vouga".
hoje afastada da costa pela ria e pelas dunas, Vagos foi, em tempos, um porto de mar - do qual restam vestígios arqueológicos. e o Vouga, que foi mudando de foz com o decorrer dos tempos, tempos houve em que desaguava por aí.

a costa arenosa que a separa do mar tem o nome de Costa Vagueira (pronúncia: "vàgueira") ou simplesmente Vagueira: a costa "de Vagos".




na verdade, a Ria de Aveiro é uma laguna. não é como as verdadeiras Rias galegas, formadas por um braço de mar que penetra terra dentro. é, antes, o resultado de um arrastamento milenar de sedimentos trazidos pelo Vouga e por rios e ribeiros como o Águeda, o Antuã, o Cértoma, o Levira e outros, que vão fazendo com que o mar recue visivelmente de século para século.

do equilíbrio dinâmico entre mar, "ria" e rio Vouga, e do colossal labor dos homens, surgiram as "gafanhas": terras áridas fertilizadas pelo moliço da "Ria".

o moliço é o nome que se dá ao adubo natural feito de plantas subaquáticas que vivem na Ria de Aveiro. constituído sobretudo por erva-do-mar e vários tipos de algas, a sua composição varia consoante o grau de salinidade da água e o tipo de sedimentos. o mais procurado é o moliço da metade norte da Ria.
as plantas que compõem o moliço servem de refúgio e alimento aos peixes jovens, contribuem para a produção de detritos nutritivos, fazem acumular matéria orgânica e energia e estabilizam os sedimentos do fundo. as populações locais aprenderam a ver nele um poderoso fertilizante natural capaz de transformar terrenos arenosos e áridos em terrenos de grande fertilidade: as "gafanhas".


a apanha do moliço faz-se com barcos moliceiros, embora também possa fazer-se com bateiras. mas o moliceiro é o barco por excelência adaptado a essa função, tendo uma capacidade de carga de cerca de 3 toneladas, ou mesmo mais (até 5 ton.), em águas pouco profundas. a forma peculiar do moliceiro tem sido atribuída a uma influência viking (*), tal como a pele branca e sardenta e os cabelos ruivos de alguns tipos populacionais da região.

a recolha e distribuição do moliço constituiam há cem anos atrás uma poderosa actividade económica. as alterações políticas, sociais e económicas, a chegada dos adubos químicos e os condicionalismos da política agrícola da União Europeia levaram ao declíneo desta actividade.
além disso, o impacto ambiental das obras do porto fez com que a produção de moliço baixasse drasticamente no último meio século.

as Gafanhas começaram a ser povoadas em finais do séc. XVII, com gente de Vagos - município a que estiveram ligadas até 1856. já no séc. XX, deu-se um forte repovoamento com gente oriunda de várias partes do país, constituindo um acervo populacional diferente do que existia na região. isso criou uma certa animosidade e rivalidade mútuas, talvez mais folclórica que real. embora povoadas há cerca de 350 anos - o que é manifestamente muito pouco tempo em termos europeus - , não há certezas sobre a origem da palavra "gafanha". é um termo praticamente exclusivo da região (ver Comentº).

e apesar do esforço bem sucedido de fertilização dos terrenos arenosos, as Gafanhas nem sempre conseguiram assegurar o sustento de seus filhos. ondas migratórias fizeram espalhar gente da sua gente pelo Brasil, Venezuela, Estados Unidos e Canadá.

as Gafanhas:

Gafanha da Boa-Hora (município de Vagos)
Gafanha da Boavista (município de Ílhavo)
Gafanha da Mota (município de Ílhavo)
Gafanha das Fidalgas (município de Ílhavo)
Gafanha da Vagueira (município de Vagos)
Gafanha de Aquém (município de Ílhavo)
Gafanha da Encarnação (município de Ílhavo)
Gafanha da Nazaré (município de Ílhavo)
Gafanha do Areão (município de Vagos)
Gafanha do Carmo (município de Ílhavo)

os habitantes das Gafanhas chamam-se "gafanhões", mas tamém há quem lhes chame "gafanheiros".
o desenvolvimento e a semelhança histórica, cultural, social e económica deste conjunto regional conduziu à proposta de criação do município da Gafanha - o que não se concretizou até agora.


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(*) há quem veja no moliceiro uma reminiscência do drakkar ("dragão") viking:





segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Um Ano de Vida

completam-se 12 meses sobre o início de Toponímia Galego-Portuguesa e Brasileira. o que começou por ser um despretencioso blogue de apontamentos, com a finalidade única de reunir em suporte virtual as ideias que o tempo foi formando, revelou-se, afinal, algo mais ambicioso. a "rede" começou a interagir. do Brasil, da Galiza e de Portugal criou-se um grupo de frequentadores assíduos, cuja intervenção ditou, muitas vezes, o rumo do blogue. não posso esconder o encorajamento recebido de Jolorib (Br.), Calidonia (Gz.), Imprompto (Pt.), D'Noronha (Br.), Rua da Judiaria (Pt.), Homedareia (Gz.), Quitanda do Chaves (Br.), Da Condição Humana (Pt.), A Tola do Monte (Gz.), por esta ordem de chegada. sendo que a minha actividade principal não é esta, devo à Frota Honorária (e a mais algumas barquinhas de estimação) a energia afectiva necessária para manter o blogue activo até aqui.
muito obrigado a todos.